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A criação da Secretaria de Políticas para Mulheres em 2003 deu início ao período de maior avanço no enfrentamento à violência contra a mulher no Brasil. Foram elaboradas diversas políticas de prevenção, combate e assistência em nível nacional, mas ainda existem dificuldades para sua implementação. Mais recentemente, o desmonte daquilo que já havia sido posto em prática expõe a fragilidade dessas ações, que não se consolidaram como políticas de Estado.

 

Nilcea Freire, ministra da SPM de 2004 a 2010, classifica a criação da Secretaria como uma “ação afirmativa em gênero” por parte do governo federal. Ela afirma que, a partir daí, a violência começa a ser trabalhada no contexto mais amplo da desigualdade de gênero.

 

“A violência é a forma mais cruel de discriminação”, define Leila Linhares, coordenadora da Cepia, uma das ONGs responsáveis por elaborar o texto da Lei Maria da Penha. “Para que você possa enfrentar a violência, você tem que ampliar o direito das mulheres, não apenas na lei, mas na prática. Porque se não você foca só na violência como se ela em si se auto-explicasse, e a gente sabe que não é assim.”

 

Em 2004, o Programa de Atenção Integral à Saúde da Mulher, criado nos anos 80, ganhou status de Política Nacional. A PNAISM parte do princípio de que a vulnerabilidade feminina a certos problemas de saúde tem mais a ver com a desigualdade de gênero na sociedade do que com fatores biológicos e incorpora a violência doméstica como uma questão relevante para a saúde. Porém, em nenhum momento o desenvolvimento de doenças crônicas nas mulheres em situação de violência é mencionado na política.

 

Segundo a médica Ana Flávia D’Oliveira, que atende mulheres sobreviventes de abuso, a violência sexual é a mais abordada pelas políticas, mas com um foco na prevenção de doenças sexualmente transmissíveis e da gravidez. Toda a parte de saúde mental, de doenças crônicas degenerativas e de queixas vagas ainda é “pouco incorporada”, segundo ela.

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“A gente tem uma tendência, e aí pensando sobre saúde mental, a calar esse tipo de doença que as pessoas não conseguem pegar, que não tem uma chaga à mostra”, concorda Layla de Carvalho, pesquisadora de políticas de saúde da mulher. Ela relaciona o problema à falta de integralidade na atenção. “A ideia da integralidade é que a pessoa chegue no atendimento de saúde e tenha várias das suas necessidades questionadas ou abordadas pelos profissionais”, informa a pesquisadora. “O que acontece é que você tem um atendimento daquilo que está mais grave no momento, uma dor. Você não consegue fazer um diagnóstico mais amplo da saúde da pessoa.”

 

Maria Aparecida Patroclo, médica e coordenadora técnica da ONG Criola, acredita que a política apresenta problemas desde sua elaboração. Apesar de ter como premissa a atenção a todas as fases da vida, ela afirma que a grande contribuição da PNAISM se dá na área dos direitos sexuais e reprodutivos. Já Layla argumenta que o foco do Ministério da Saúde na Rede Cegonha,  programa de humanização do parto criado em 2011, fez com que as políticas de atenção integral fossem abandonadas.

Justiça. A decisão causou revolta nos movimentos de mulheres e foi considerada um grande retrocesso por especialistas da área. “Quando a Secretaria desaparece, é como se o governo tivesse declarando a menor importância que essas políticas teriam no desenvolvimento do país”, afirma Ana Paula Portella.

 

“Não é um desmonte porque não tem recursos. É a partir de uma concepção que o governo atual tem e propaga de um modelo de sociedade onde a questão das diferentes dimensões da desigualdade, incluindo a desigualdade de gênero, não é assunto prioritário”, argumenta a Nilcea Freire. “Isso está plenamente consoante com o governo do presidente Temer.”

 

Para Leila Linhares, a transversalidade que era característica de uma Secretaria que promoveu “avanços fantásticos” foi muito prejudicada com a mudança. “Não tem orçamento, não tem pessoal qualificado e, portanto, não tem capacidade nenhuma de articulação tanto com os movimentos de mulheres quanto com os estados”, resume.

 

Rubia Abs, coordenadora do Cladem, instituição responsável por levar o caso de Maria da Penha Fernandes à Corte Interamericana de Direitos Humanos, conta que, depois da extinção do Ministério, se perdeu o vínculo com a SPM. “Não sabemos os espaços que estão as Secretarias, não sabemos com quem dialogar”, reclama Rubia, que já tentou “inúmeros contatos” com a SPM, sem resposta. “Os conselhos se esvaziaram, porque esse governo não tem credibilidade, então a sociedade civil não tem participado.”

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No cenário atual, Carmen Lucia Luiz, coordenadora da Comissão Interssetorial de Saúde da Mulher do Conselho Nacional de Saúde, não acredita em avanços nas políticas da área. “É um governo que está desmontando o Estado, então nessas condições é difícil.” Maria Cecília Minayo, coordenadora científica do Centro Latino-Americano de Estudos de Violência e Saúde Jorge Careli, observa que há um esfriamento dos programas relacionados à violência no Ministério da Saúde. Ela afirma que houve 13 anos de continuidade política que foram interrompidos. “Eu não sou ‘fora Temer’, não, mas esse ministro da saúde, que é um engenheiro, entrou com a ideia de que tudo que fosse PT tinha que acabar”, critica.

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​A situação se agrava diante da aprovação do congelamento de gastos pelos próximos vinte anos. Dados do Ipea apontam que o SUS perderá até R$743 bilhões no período. Segundo Carmen, a falta de investimentos vai impedir a criação de novas ações voltadas à violência e impossibilitar a manutenção das que já existem. Ana Flávia é categórica: “Reduzir o SUS nesse momento é criminoso. Vai morrer gente por causa disso.”

 

Leila Linhares acrescenta que a atual censura à palavra “gênero” por parte das bancadas conservadoras também contribui para o momento ruim das políticas para mulheres. “Como você vai fazer transversalidade de gênero se gênero é censurado?”, questiona.

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Hoje, é um membro dessa bancada que comanda a SPM: a ex-vice-presidente da Frente Parlamentar Evangélica Fatima Pelaes. Defensora do Estatuto do Nascituro, Pelaes já declarou publicamente ser contra o aborto mesmo em casos de estupro, prática legalizada no Brasil em 1940. Mas, depois de tomar posse, 

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As instituições desprotegeram a mulher para culpabilizar o agressor

Arlanza Rebello, defensora pública

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“A intenção com a Lei Maria da Penha era coibir a violência contra a mulher”, explica Nilcea. Mas, na avaliação de especialistas, o aspecto punitivo da lei foi o que recebeu mais atenção. “A primeira porta que surge é a delegacia, o que significa: denuncie um crime”, aponta Arlanza Rebello, do Núcleo Especial de Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem) da Defensoria Pública do Rio de Janeiro. “A divulgação vem sempre nesse sentido, nunca no sentido de ‘proteja-se, você merece uma vida melhor e protegida.’” Se a sobrevivente não está pronta para ir à polícia, fica presa no ciclo de abuso por não vislumbrar outra saída, argumenta a defensora. Para ela, isso demonstra que as instituições desprotegeram a mulher para culpabilizar o agressor.

 

Adriana Ramos de Mello, juíza titular do I Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher do Rio de Janeiro, acredita que, para prevenir a violência, é preciso levar o debate sobre a desigualdade de gênero e raça para as escolas. Mas Leila ressalta que a ideia enfrenta resistência. “Claro que não se vai chegar numa sala de aula com criancinhas pequenas e falar ‘a violência contra a mulher’”, esclarece a coordenadora da Cepia. “Mas você vai começar a educar como meninos e meninas têm que se relacionar, enfim, usando toda uma pedagogia específica para a infância.”

 

Ana Paula Portella, especialista em violência e políticas públicas, sublinha que a prevenção também deve envolver a construção de mecanismos de fortalecimento da autonomia feminina. Isso envolve, por exemplo, o maior acesso ao trabalho remunerado e o aumento da renda, para que a mulher não dependa financeiramente do companheiro. Ela destaca ainda que a maior parte das sobreviventes vive em territórios com forte presença da violência urbana e que as políticas de prevenção “precisam levar em conta as especificidades deste tipo de território”. Jackeline Romio, que pesquisa os indicadores de violência contra a mulher e participou da elaboração do Dossiê Mulheres Negras, acredita que a violência é “radioativa” e que as diversas formas de abuso a que as mulheres negras estão expostas, por exemplo, afetam a violência que podem vir a sofrer em casa.

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A rede de atendimento também enfrenta dificuldades para se consolidar. Mas Aparecida Gonçalves, Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher de 2003 a 2016, afirma que a implementação dos serviços especializados não foi menosprezada pela SPM. Dados da Secretaria mostram que, de 2003 a 2013, houve um aumento de 309% no número desses serviços, que passaram de 332 a 1.027 neste período.

 

Embora reconheça que muitos serviços tenham sido criados e fortalecidos, Leila aponta limitações nesse processo. “Esse crescimento se concentrou muito nas áreas urbanas, então a gente ainda tem uma dificuldade muito grande de interiorização desses serviços”, pondera Leila. Outro obstáculo seria a capacitação dos agentes responsáveis pelo atendimento. “Temos tanto notícia de mulheres se queixando do atendimento, da manutenção ainda de preconceitos, de dificuldades de acesso à justiça, quanto também temos relatos de mulheres que foram bem atendidas.”

 

Leila destaca o monitoramento das políticas como outra dificuldade. Mas, para Ana Paula Portella, isso faz “parte do aprendizado”, já que o campo de políticas para mulheres é recente no Brasil. “Não é possível você iniciar, inaugurar uma política já tendo tudo pronto”, entende a pesquisadora. “A maior parte das coisas vai se aprendendo pelo caminho, e nesse sentido eu acho que a Secretaria de Políticas para Mulheres sempre foi muito aberta, sempre dialogou bastante com o movimento de mulheres.”

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A saúde sempre foi o grande desafio para a rede de atendimento

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Aparecida Gonçalves, ex-Secretária Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher

A falta de integração entre os serviços também é uma complicação. Aparecida Gonçalves afirma que ainda há uma briga para estabelecer se a porta de entrada da rede é a segurança pública ou a saúde e que serviço seria mais importante nesse processo. “Nessa discussão, as mulheres é que terminam de fato perdendo”, censura a ex-Secretária Nacional. Ela afirma que integrar a saúde sempre foi o “grande desafio” para a rede. “A saúde sempre acha, sempre se achou muito autônoma, que ela dá conta de tudo muito sozinha, isolada e que ela já tinha sua própria rede de saúde, então, não precisa se inserir com outras redes”, critica.

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Ana Flávia D’Oliveira diz que o trabalho interssetorial e em equipe é “fundamental” para que se possa trabalhar a violência, mas ainda é um desafio. “Inclusive por diferentes salários, diferentes linguagens, diferentes vínculos institucionais”, esclarece a médica. “Mas a gente tem um movimento de mulheres bastante atuante e bastante atento a essas questões, e eu acho que isso é uma vantagem nossa.”

 

Aparecida Gonçalves enxerga ainda outra barreira: a institucionalização da rede. Segundo ela, a rede ainda é um problema de quem está na ponta, atuando nos serviços. “Ou é da delegada, ou é da assistente social, ou é do médico que tem interesse no problema, nunca é da instituição em si. E, portanto, quando muda o profissional, você tem uma quebra na rede de atendimento”, conclui.

afirmou que sua religião não iria interferir no desempenho do cargo. Meses depois, foi noticiado que Pelaes realiza cultos evangélicos nas dependências da Secretaria.

 

“O cenário que se descortina é um cenário conservador-religioso”, avisa Leila Linhares. Carmen Lucia lembra, porém, que as mulheres estão se mobilizando contra os retrocessos em curso. “No 8 de março nós vimos 48 países do mundo se unindo contra o patriarcado. É a primeira vez na vida, pelo que eu tenha conhecimento, que as mulheres do mundo se unem para fazer uma ação contra o sistema patriarcal”, afirma Carmen. No Brasil, as mulheres protestaram contra a Reforma da Previdência e pelo fim da violência.  “Tem uma luz no fim do túnel, mas essa luz não é institucional”, conclui a conselheira de saúde.  

O Programa Nacional de Prevenção, Assistência e Combate à Violência contra as Mulheres, criado em 2004, e a Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, de 2005, reconhecem que o enfrentamento à violência requer ações de diversas áreas, como a educação, a saúde, a assistência social e a justiça. Para atuar com eficácia, os serviços devem funcionar de maneira conjunta, formando uma rede. 

A Lei Maria da Penha, em vigor desde 2006, reflete esses princípios. Ela é conhecida por 94% dos brasileiros, mas poucos sabem que, além de garantir a expedição de medidas protetivas de urgência e a prisão do agressor doméstico em flagrante, a lei prevê uma série de políticas integradas de prevenção e assistência, como:

 

  • A criação de centros de atendimento integral e multidisciplinar às sobreviventes;

  • A criação de centros de educação e reabilitação para os agressores;

  • A implantação de uma assistência integrada às sobreviventes na saúde, na assistência social e na segurança pública; e

  • A discussão da igualdade racial e de gênero nas escolas.

Segundo Marisa Chaves, coordenadora do Centro de 

Referência para Mulheres Suely Souza de Almeida, o Brasil tem hoje 723 organismos de políticas para mulheres e aproximadamente 420 Conselhos Municipais de Direitos das Mulheres. Para ela, os números ínfimos diante dos 5.562 municípios brasileiros indicam que não existe uma política de Estado de enfrentamento à violência contra as mulheres.

 

“A política de Estado é quando você tem, a exemplo da educação, o Fundo Nacional de Educação, o fundo estadual e o fundo municipal”, informa Marisa. “Na área da mulher, não existe a obrigatoriedade de criação de fundos. Então não há uma política estruturada. O que existia era financiamento de projetos. Isso são ações focais.” Ao contrário do que ocorre com a saúde, não há sanções para os municípios que não criam conselhos de direitos das mulheres, por exemplo. “Em épocas de crise, o que que o município pensa? ‘Se eu não sou obrigado a ter isso e se isso não me impossibilita de receber recurso, porque que eu vou ter?’”

 

A coordenadora do Centro de Apoio das Promotorias de Justiça de Violência Doméstica do Rio de Janeiro, Lucia Iloizio, também critica a falta de previsão legal de custeio e manutenção dos Centros Especiais de Atendimento à Mulher e das casas abrigo. “Esses programas trabalham muito com pessoas contratadas e verba cedida pela União através de convênios com os estados e os municípios. Quando o convênio finda, perdemos o equipamento: dispensam a equipe e fecham as portas”, lamenta a promotora.

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Em 2007, a SPM lançou o Pacto Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher, um acordo entre governo federal, estados e municípios que assegurava o repasse de recursos para a criação e manutenção dos serviços de atendimento. Ele foi assinado por todos os estados, mas, segundo Marisa, muitos “nem lembram que assinaram”. Ela enxerga uma derrocada do Pacto a partir de 2013, quando os estados pararam de investir.  “Acho que precisava de repactuações e isso não ocorreu”.  

 

Hoje, o site da SPM indica a existência de 228 Centros Especializados de Atendimento à Mulher e de 77 abrigos pelo país, mas muitos desses serviços estão fechados ou funcionando de forma precária. “A tendência, sem garantia de investimento, é ter uma lei sem a mínima condição de torná-la eficaz”, conjectura Lucia Iloizio.

 

Em 2013, a Comissão Mista de Inquérito da Violência contra a Mulher do Senado Federal elaborou um projeto de lei para criar o Fundo Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres. “Com o Fundo Nacional, a transferência de verba seria feita de fundo a fundo, evitaria a questão do convênio”, explica Lucia Iloizio. “Com ele, talvez conseguíssemos reorganizar – ou talvez organizar – essa questão das verbas.”

 

Pronto para ser votado na Câmara dos Deputados, o PL 7371/2014 enfrenta forte resistência da bancada religiosa do Congresso. Os parlamentares insistem que o Fundo será usado para pagar abortos, ainda que não haja nenhuma referência a essa questão no projeto.

           


O desmonte da Secretaria de Políticas para Mulheres

 

Em outubro de 2015, a então presidenta Dilma Rousseff juntou em uma única pasta a Secretaria de Políticas para Mulheres, a Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial e a Secretaria de Direitos Humanos, todas criadas no início do governo Lula com status de ministério. Aparecida Gonçalves admite que a criação do Ministério das Mulheres, da Igualdade Racial e dos Direitos Humanos diminuiu o poder de negociação da SPM e causou um “efeito dominó” nos estados e municípios, onde organismos de políticas para mulheres começaram a ser extintos. “Mas no governo Dilma não diminuiu recurso, pelo menos para enfrentamento à violência, quando eu estava lá, nada do que tinha sido previsto foi cortado”, ela faz questão de enfatizar.

Nilcea Freire explica que as políticas no Brasil dependem do pacto federativo, ou seja, do nível de atribuição de cada ente da federação – União, estados e municípios. Os estados são responsáveis pela criação de organismos de políticas para mulheres e, os municípios, pela implantação dos centros de atendimento e das casas abrigo, por exemplo.

 

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Em 19 de abril de 2016, centenas de mulheres levaram flores à ex-presidenta Dilma Rousseff em ato simbólico contra as ofensas morais feitas a ela durante a votação pela admissibilidade do impeachment na Câmara dos Deputados. Foto: Mídia NINJA

A violência contra a mulher foi um tema priorizado no governo de Dilma Rousseff. Os núcleos especializados das Defensorias Públicas e o Ligue 180 foram fortalecidos e foram criados o programa Mulher, Viver Sem Violência e a Lei do Feminicídio. O conjunto mais amplo das políticas para mulheres, porém, foi prejudicado.

 

“No governo Dilma a gente continuou tendo uma boa interlocução com a ministra Eleonora Menicucci, mas claro que o grande momento da Secretaria de Políticas para Mulheres se deu muito mais no governo Lula”, afirma Leila Linhares. Para ela, a crise econômica mundial que custou a atingir o país bate à porta na gestão de Dilma, reduzindo os investimentos públicos.

 

Rubia Abs ressalta que, no primeiro mandato de Dilma, a Secretaria ainda dispunha de muitos recursos e forte poder político. Nesse período, a SPM ampliou suas frentes de trabalho, firmando parcerias com a ONU Mulheres, a Unesco e a Organização Mundial do Trabalho. Ela avalia que esse foi um legado importante, mas que “pode ser totalmente cortado”. Foi o que aconteceu.

 

Nilcea Freire argumenta, porém, que o retrocesso começa ainda no primeiro mandato da presidenta, quando passou a haver uma ação com “muito maior eficácia” dos grupos fundamentalistas religiosos. Ela lembra que, pouco depois de tomar posse, Dilma foi confrontada por um grupo liderado por Anthony Garotinho, que exigiu que ela cancelasse a distribuição de uma cartilha contra a homofobia. Caso contrário, eles retirariam o apoio ao governo. Para Nilcea, quando Dilma cedeu a essa pressão, o governo se tornou “refém” do fundamentalismo. “Eles viram que qualquer ameaça, em nome da chamada governabilidade, o governo recuaria.”

 

A questão dos direitos sexuais e reprodutivos e da violência sexual sofreu com o aumento do conservadorismo. Ainda assim, em 2012, o Supremo Tribunal Federal garantiu o direito ao aborto nos casos de anencefalia. E, em 2013, Dilma sancionou a lei 12.845, que regulamenta o atendimento às sobreviventes de violência sexual no SUS. No Congresso, os parlamentares não apenas barravam discussões progressistas sobre o tema como levavam à frente propostas que retirariam direitos já conquistados, como o PL 5069, que dificulta o acesso ao aborto em casos de estupro.

 

O início do desmonte da Secretaria de Políticas para Mulheres ocorre ainda no governo Dilma. Nilcea ressalta que a presidenta cedeu novamente a pressões quando decidiu fundir a SPM com a Seppir e a SDH. Dessa vez, para mostrar que estava fazendo economia de gastos. “Acho que quando ela é ameaçada de impeachment ela se dá conta disso, do equívoco que ela tinha cometido”, arrisca Nilcea. “Ela criou uma subalternidade das políticas para as mulheres, que eram defendidas com unhas e dentes.” Ana Paula Portella resume: “o governo Dilma deixou a desejar no que se refere às mulheres”.

Com o afastamento da presidenta em maio de 2016 e a posse de Michel Temer, a Secretaria sofreu seu maior baque. Temer extinguiu o Ministério que englobava a SPM e a transformou em uma pasta do Ministério da

Fonte: Sistema Eletrônico do Serviço de Informação ao Cidadão/ Secretaria de Políticas para Mulheres

Valores corrigidos pelo índice IGP-DI/FGV e arredondados para baixo

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